Quando encontra alguma amiga prestes a começar um tratamento com Ozempic, remédio contra diabetes usado também para perda de peso, a publicitária Caroline Tchakerian, 25 anos, evita contar sobre os efeitos colaterais que ela teve ao usar o medicamento injetável.
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“Dava tanto enjoo. Eu acordava passando mal, suando frio, e não conseguia mais dormir. Depois, veio a dor de estômago, que ficou tão forte que eu tive que ir ao pronto-socorro”, conta a publicitária.
Apesar dos efeitos colaterais, ela diz não querer desencorajar outras pessoas interessadas no medicamento. “Fica uma situação muito complicada porque, mesmo com os efeitos colaterais, eu emagreci quase 10 quilos, e aí todo mundo acha legal. [Para] várias amigas que começam agora eu aviso que [elas] podem se sentir mal, mas às vezes parece que é porque eu já ‘consegui’ e não quero que os outros emagreçam também”, diz.
A publicitária afirma que não se arrepende de ter usado o remédio, prescrito por uma endocrinologista porque ela estava acima do peso ideal e com esteatose hepática, também conhecida como gordura no fígado. Apesar disso, ela relata estar preocupada com o uso indiscriminado por parte de colegas e conhecidos, quase sempre sem o mesmo acompanhamento médico. “Tá todo mundo usando”, completa a jovem.
Em São Paulo, farmácias do centro expandido relatam dificuldades para manter os estoques do produto, que é fabricado pelo laboratório dinamarquês Novo Nordisk. A ‘febre’ do uso do Ozempic, no entanto, não é exclusividade do Brasil. Nos Estados Unidos e na Austrália, a busca desenfreada fez o remédio desaparecer das prateleiras e virar assunto nos principais jornais.
O remédio tem como princípio ativo a semaglutida, um hormônio sintético que ajuda a controlar os níveis de glicose no sangue e sinaliza ao cérebro a sensação de saciedade. Ele simula os efeitos do GLP-1, um hormônio natural que é produzido no intestino.
Seu uso previsto em bula é para o tratamento de diabetes, mas o remédio tem sido prescrito por médicos, de maneira off-label (que não consta na bula), para perda de peso. O endocrinologista Paulo Rosenbaum, do Hospital Israelita Albert Einstein, explica que o uso do medicamento contra obesidade é seguro e já foi longamente estudado por cientistas. No entanto, o tratamento precisa ter acompanhamento médico para ser seguro.
“Se bem indicados, os remédios à base de semaglutida são uma revolução na área da endocrinologia. Mas essa procura atual pelo Ozempic é perigosa porque, por mais que seja um medicamento seguro, ele não pode ser usado sem acompanhamento”, afirma Rosenbaum.
Efeitos colaterais transitórios
O especialista explica que efeitos colaterais como os relatados pela publicitária são comuns no início do tratamento, mas costumam melhorar após algumas semanas. No entanto, ele lembra que, para cerca de 10% dos pacientes, os efeitos colaterais não cessam, e é preciso buscar outras alternativas.
“As pesquisas mostram que cerca de 10% dos pacientes podem ter mais efeito colateral e, às vezes, não vão conseguir tolerar o remédio. Por isso é importante ter um acompanhamento médico. A grande maioria tolera bem, tem efeitos colaterais, mas são transitórios, que depois de um ou dois meses vão diminuindo”, explica o endocrinologista.
A gerente médica do laboratório Novo Nordisk, que fabrica o Ozempic, Tássia Gomide Braga, também ressalta que os efeitos colaterais são mais comuns no início do tratamento. A endocrinologista lembra que, por enquanto, o medicamento é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas para diabetes – a prescrição para perda de peso é off-label, ou seja, feita por conta e risco do médico responsável.
“A maioria dos eventos tem gravidade leve a moderada e acontece de forma transitória, durante alguns dias ou poucas semanas. A necessidade de descontinuação da medicação por eventos adversos é baixa”, afirma Braga. Ela explica que os efeitos adversos costumam ocorrer durante o início do uso da medicação ou quando há aumento na dose da medicação. “O paciente deve buscar junto ao seu médico orientações para minimizá-los”, completa a gerente médica da empresa.
Ainda não está claro o que está por trás dos efeitos colaterais causados pela semaglutida. Segundo a médica da Novo Nordisk, um dos mecanismos de ação dos medicamentos análogos de GLP-1 – categoria que inclui o Ozempic – é a “diminuição transitória da velocidade em que o estômago se esvazia após uma refeição, o que pode estar relacionada a alguns desses efeitos”.
Para evitar as reações adversas, é comum que os médicos prescrevam o medicamento com escalonamento da dosagem. Assim, o tratamento começa com uma dose menor, que vai sendo aumentada aos poucos até chegar na que é considerada ideal para cada paciente.
“A pessoa pode começar usando 0,25mg por semana, quando a dosagem de uma unidade do produto é quatro vezes maior, de 1mg por semana. Nesse período do escalonamento, ela pode tanto ter uma resposta rápida como pode não perceber efeito nenhum”, explica Rosenbaum, endocrinologista do Einstein. A médica da indústria farmacêutica diz que obedecer ao escalonamento das doses de forma correta minimiza o risco de efeitos colaterais e pode ser adaptada à tolerabilidade do paciente.
O escalonamento foi a solução para os efeitos colaterais sentidos pela executiva Priscila Simões, 50 anos, que começou o tratamento com Ozempic em abril de 2022. Nos primeiros três meses, ela sentiu muita dificuldade para usar a medicação, prescrita por um endocrinologista para tratar um quadro de sobrepeso e gordura no fígado.
“Eu tinha muito enjoo, diarreia, dor de estômago, era um horror. Dava para ver que era uma coisa bem gastrointestinal mesmo. No começo, falei que a gente emagrece porque não consegue comer de tanto enjoo”, lembra Simões.
A situação melhorou depois que ela marcou uma nova consulta com sua médica e foi orientada a reduzir a dosagem, aumentando a quantidade a cada semana até chegar à dose indicada.
“Quando eu fiz isso, melhorou muito. Agora, consigo tomar a dosagem prescrita e comer normalmente, sem enjoos, mas em quantidades bem menores. Eu continuo comendo as coisas que eu comia, mas reduzindo bastante o tamanho da porção”, explica a executiva.
Dieta durante o tratamento
A redução das porções é uma das indicações da fabricante Novo Nordisk para diminuir efeitos colaterais durante o tratamento com Ozempic. Evitar alimentos gordurosos e bebidas alcoólicas também pode ajudar a controlar a sensação de enjoo causada pelo remédio.
“Em geral, comer porções menores nas refeições, parar quando se sentir satisfeito, evitar frituras e alimentos muito gordurosos, manter-se bem hidratado ao longo do dia e evitar álcool são atitudes que podem minimizar esses efeitos colaterais”, explica Braga.
Outra alternativa pode ser a prescrição de medicamentos contra enjoos, ou protetores gástricos para pacientes que experimentam efeitos gastrointestinais, segundo o endocrinologista Rosenbaum. “Existem algumas possibilidades, como prescrever remédios para enjoo que o paciente pode consumir antes das refeições, ou até mesmo receitar protetores gástricos, para evitar refluxo”, explica o médico.
“As pessoas precisam ser bem orientadas porque senão a gente acaba vendo pacientes que poderiam se beneficiar do tratamento, mas acabam desistindo porque não tiveram orientação para evitar alguns efeitos”, avalia o médico.
Uso indiscriminado
O uso do Ozempic sem acompanhamento médico preocupa entidades e especialistas da área. Em janeiro, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) emitiu uma nota alertando que, assim como qualquer outro medicamento, a semaglutida “precisa de acompanhamento médico e só deve ser utilizada sob prescrição”.
A procura desenfreada tem afetado inclusive pacientes com diabetes, que não conseguem encontrar o medicamento nas farmácias de São Paulo. “Está faltando remédio para quem precisa, para quem tem diabetes, e isso é uma pena. Com essa moda das redes sociais, ficou essa loucura. Tem gente que nem deveria usar o Ozempic e fica usando com todos esses efeitos colaterais, e falta para quem deveria tomar”, avalia Rosenbaum.
Até mesmo pacientes que usaram o remédio com orientação profissional se dizem preocupados com a febre da semaglutida injetável.
“Eu conheço bastante gente usando, mas a maioria das minhas amigas não faz acompanhamento com endocrinologista. Eu vejo no TikTok muitos posts inconsequentes, ensinando as pessoas a usar, mas ninguém fala dos exames que precisam ser feitos antes do tratamento”, conta a publicitária Tchakerian.
“Eu sinto que tem essa moda, muita gente veio me falar que ia tomar também, e eu falo sempre para pedirem orientação do médico. Eu fiz tudo isso com prescrição, mas é um remédio que estão tomando de jeito indiscriminado”, concorda a executiva Simões.
Efeito rebote
Um dos riscos do uso indiscriminado é o chamado efeito rebote, que ocorre quando o peso perdido durante o tratamento é recuperado quando o paciente deixa de usar o remédio. Em alguns casos, o ganho de peso é até maior do que o que foi perdido anteriormente.
“Quando você usa sem orientação você pode ter um efeito rebote, um ganho de peso fora do comum, especialmente quando o uso é interrompido sem um plano de ação”, explica Rosenbaum. “Se a pessoa não modificar o estilo de vida, não fizer exercício, ela vai engordar tudo de novo quando parar a medicação”, completa o endocrinologista.
Para evitar engordar novamente, os especialistas recomendam que a interrupção da medicação seja feita de forma gradual e, é claro, acompanhada por mudanças na dieta e exercícios físicos regulares.
“Eu tenho essa preocupação com o efeito rebote, porque eu não quero recuperar o peso que eu perdi, mas também não pretendo tomar o remédio para o resto da vida. Eu vou tentar manter o peso com outros mecanismos, com atividade física e dieta”, conta Simões.
A estratégia dela é similar à da publicitária, que suspendeu o uso do medicamento em dezembro, após uma série de efeitos colaterais.
“Quando eu parei o remédio e minha fome voltou ao normal, eu sentia como se fosse uma fome de dragão, porque antes eu comia muito pouco. O Ozempic me fez criar um hábito importante de comer menos e fazer exercício. Agora, continuo indo na academia e tentei ajustar a alimentação, mas tenho muito mais fome do que antes”, explica Tchakerian.
Como o custo da medicação é alto – na dosagem indicada por endocrinologistas, os gastos podem chegar a cerca de R$ 1.000 por semana – a alternativa adotada pela publicitária foi redirecionar o investimento. “Agora, o dinheiro que eu gastava com o medicamento eu estou gastando com personal trainer. Não é a mesma coisa, mas estou tentando ter mais controle”, completa Tchakerian.
Fonte: Agência Einstein
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