O câncer de mama é uma doença que sempre reserva muitas surpresas e gera expectativa nos encontros anuais da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), maior congresso da especialidade do mundo. E na edição de 2022, realizada em Chicago (EUA) entre os dias 3 e 7 de junho, não foi diferente.
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Um dos trabalhos apresentados que mais chamou a atenção da comunidade médica foi o DESTINY-Breast04, publicado simultaneamente pela revista médica New England Journal of Medicine. Os dados mostraram benefícios de sobrevida livre de progressão da doença e foram celebrados por seus impactos significativos no combate a um tipo de câncer de mama agressivo.
Segundo o oncologista Bruno Ferrari, fundador e CEO do Grupo Oncoclínicas, a pesquisa trouxe resultados com um medicamento que redefiniu a forma como se olha o tratamento de câncer.
“A análise foi uma das mais festejadas durante a ASCO 2022 por apontar o uso de um medicamento conjugado com um anticorpo especificamente direcionado a um receptor presente na célula tumoral chamado Her-2. Esse estudo realmente pode mudar a forma como tratamos parte das pacientes com câncer de mama”, destaca.
O estudo avaliou o uso do trastuzumabe-deruxtecan, uma molécula conjugada de anticorpo-monoclonal Her-2 com um medicamento que atua em inibir uma enzima conhecida como Topoisomerase I, que interrompe a replicação do DNA de células cancerígenas. Essa combinação dobrou o tempo livre de progressão de tumores de mama avançado em pacientes, mesmo naqueles com expressão baixa desse receptor, criando assim uma classificação nova chamada Her-2 Low.
“Basicamente, a terapia com esse conjugado droga-anticorpo utilizado na pesquisa não é exatamente nova, nós já utilizamos na prática do dia a dia. O que muda é que os resultados redefiniram como a gente olha para câncer de mama e como a gente o classifica com relação aos alvos terapêuticos, que são as moléculas que a gente utiliza para definir a nossa terapia no câncer de mama”, explica o oncologista Rafael Brant, da Oncoclínicas Minas Gerais.
“O estudo mostrou que esse medicamento, que antes era voltado para um grupo específico de câncer de mama alto expressor da proteína Her-2 (classificados como tumores Her-2 positivo), atuou muito bem nesse outro grupo de tumor de mama com baixas expressões da proteína Her-2 (classificados como Her-2 negativo), com taxas de respostas altíssimas, com ganho de sobrevida global em comparação com os tratamentos até então considerados padrões”, completa o especialista.
Para ele, as descobertas são consideradas um avanço que de fato redefinem como uma proporção importante de pessoas poderá ser tratada.
“Nos pacientes que receberam o medicamento, o tempo livre de progressão da doença saltou de 5,4 meses para 10,1 meses, o que pode se refletir no aumento do tempo total de vida. Em média, vimos que a sobrevida dessas pacientes saltou de 17 meses para quase dois anos, o que é bastante significativo quando levamos em conta os desafios no combate ao câncer. A mudança é relevante no que diz respeito ao entendimento biológico da doença e abre uma porta para investigações adicionais neste grupo”, diz o especialista.
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No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) aponta que serão registrados ainda este ano 66.280 novos diagnósticos de câncer de mama. Das pessoas que recebem um diagnóstico da forma mais agressiva da doença, o câncer de mama metastático, aproximadamente 15-20% são Her-2 positivos e, portanto, seriam elegíveis para tratamento com terapias direcionadas.
Os cerca de 80% restantes dos cânceres de mama metastáticos são atualmente categorizados como Her2 negativos e, desses cânceres, aproximadamente 55-60% expressam baixos níveis de Her-2.
O CEO do Grupo Oncoclínicas frisa que, diante do cenário do câncer de mama expresso pelas estatísticas, mudanças na média de tempo de controle da doença representam um impacto relevante na luta contra os tumores malignos.
“Esses dados pavimentam novos caminhos para o desenvolvimento de alternativas cada vez mais efetivas no controle de tumores de mama e devem ser entendidos como avanços significativos da ciência a serem celebrados por todos, comunidade médica e pacientes, rumo a um futuro em que poderemos considerar o câncer uma doença crônica e com baixas taxas de letalidade”, finaliza Bruno Ferrari.