Quando estava com 30 anos, a pedagoga Andrea Ferrara decidiu fazer um check-up de rotina. Foi a um cardiologista que pediu uma série de exames, entre eles, uma tomografia que apontou a presença de um pequeno nódulo no pulmão (menos de 0,5 mm).
Como Andrea era uma mulher jovem, saudável e não fumante, ela saiu do consultório tranquila somente com a recomendação de procurar um pneumologista e repetir o exame após um ano. Até então, nada preocupante.
Um ano depois, Andrea procurou o especialista e repetiu a tomografia, que mais uma vez mostrou a presença do nódulo – ele havia aumentado discretamente de tamanho, mas esse dado foi relevado pelo médico porque o exame foi feito em laboratórios diferentes e poderia haver uma margem de erro.
Na avaliação do pneumologista, o nódulo era muito pequeno (cerca de 0,6 mm) e poderia ser decorrente de alguma infecção recente. Diante da sua idade e da sua saúde, não havia motivos para suspeitar de algo diferente.
Convencida de que não era nada demais, Andrea esqueceu do nódulo e passou anos sem repetir a tomografia. Dez anos depois, ao se infectar com H1N1, se submeteu a um raio-X de tórax no pronto-socorro – por ser um exame menos sensível, o resultado apontou um “achado inespecífico no pulmão”. O médico até a orientou a investigar o que era, mas Andrea respondeu que já tinha ido a especialistas e não era nada.
No ano passado, Andrea procurou uma pneumologista porque estava com sintomas prolongados da Covid-19. Na consulta, teve um “insight” e comentou sobre o tal nódulo no pulmão. Fez uma nova tomografia e percebeu que a médica ficou um pouco inquieta quando abriu e leu o resultado: presença de nódulo vidro fosco com cerca de 1 cm. A especialista pediu para ela um acompanhamento com mais atenção e a repetição da tomografia em três ou em seis meses.
“Achei esquisito ela pedir para repetir em três ou em seis meses. Foi um período um pouco angustiante. Quando fui refazer o exame, escrevi na minha ficha que é entregue para o radiologista que eu estava fazendo o exame para acompanhar um nódulo em crescimento. Acho que esse foi o pulo do gato”, lembra Andrea.
Quando a pedagoga recebeu o resultado da tomografia, estava escrito que a hipótese diagnóstica era um adenocarcinoma de crescimento indolente. Foi nesse momento que Andrea se deu conta da possível gravidade do problema e decidiu procurar um pneumologista oncológico, que confirmou: Andrea estava com câncer no pulmão. Aquele pequeno nódulo, que apareceu na tomografia há 14 anos, era um tumor que foi crescendo lentamente.
“Fiquei apavorada. Tinha apenas 40 anos, não fumava, não apresentava sintoma nenhum, era totalmente saudável. Apesar de o nódulo ser de crescimento indolente, ele não era um nódulo parado e dobrou de tamanho em dez anos”, diz a pedagoga.
Mudança de perfil
O câncer de pulmão é um dos que mais mata pessoas no mundo todos os anos – quase 29 mil pessoas morreram no Brasil em 2020 em decorrência da doença. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca), ele é o terceiro tipo de câncer mais comum em homens e o quarto em mulheres (com exceção do de pele não melanoma). É o primeiro em todo o mundo em incidência entre homens e o terceiro entre mulheres.
Apesar de ainda ser bastante associado ao tabagismo, há uma preocupação crescente em torno dos casos que aparecem em pessoas não fumantes, especialmente em mulheres jovens, como aconteceu com Andrea. “Há uns 15 anos, 90% dos casos de câncer de pulmão ocorriam em tabagistas e 10% em não fumantes. Hoje em dia, estima-se que cerca de 30% dos casos sejam diagnosticados em pessoas que não fumam”, alertou Ricardo Terra, cirurgião torácico e coordenador do Centro de Excelência em Tórax do Hospital Israelita Albert Einstein.
Apesar disso, o diagnóstico em geral ocorre tardiamente porque na maioria das vezes as pessoas só apresentam sintomas quando já estão em estágios mais avançados da doença.
“O câncer de pulmão não dá nenhum sintoma no seu estágio inicial, o que dificulta a suspeita. Por isso, o diagnóstico é tardio”, diz Terra. Entre os sintomas clássicos, estão: tosse e rouquidão persistentes; sangramento das vias respiratórias; dor no peito; dificuldade para respirar e fraqueza. Andrea não teve nada disso, apenas exames que indicavam a presença do nódulo.
Segundo Terra, embora não exista uma recomendação formal de rastreamento do câncer de pulmão na população, estudos recentes apontam que a realização de uma tomografia por ano em fumantes com mais de 50 anos possa reduzir a mortalidade pela doença.
O especialista diz, ainda, que monitorar a presença desses pequenos nódulos em tomografias realizadas por outros motivos é fundamental para descartar a doença ou, se for o caso, tratá-la o mais precocemente possível. “Esses achados incidentais têm sido mais frequentes por causa do aumento da realização de tomografias durante a pandemia da Covid-19. Não é preciso ficar apavorado, 95% desses nódulos são inofensivos. Mas, se o exame for repetido e o nódulo permanecer, precisa investigar com mais cuidado”, recomenda o médico.
No caso de Andrea, como o diagnóstico aconteceu numa fase ainda muito precoce, foi possível fazer uma cirurgia curativa e mais conservadora, em que ela retirou apenas um segmento de 20% do pulmão direito. Não precisou fazer quimioterapia e nem radioterapia e já se recuperou completamente.
“Sei que sou praticamente uma exceção dentro do cenário de diagnóstico de câncer de pulmão. A mensagem que quero passar é a de alertar as pessoas para acenderem a lâmpada amarela quando receberem um resultado que aponte algum nódulo. Pode não ser nada demais, mas não custa investigar”, finalizou Andrea.
Fonte: Agência Einstein
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