Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Estudo realizado por pesquisadores do Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo (USP) apontou que a diabetes não controlada (hiperglicemia) é o fator de risco modificável que mais influenciou no número de mortes por doenças cardiovasculares no país.
Os pesquisadores avaliaram o impacto de cada um dos fatores de risco comportamentais e metabólicos: glicose elevada, obesidade, colesterol alto, hipertensão e tabagismo. Os resultados foram publicados na revista científica PLos.
Segundo Renato Simões Gaspar, pós-doutorando no Incor e responsável pelo estudo, o objetivo do trabalho é auxiliar o governo na formulação de políticas públicas para reduzir a carga de doenças cardiovasculares no país – que ainda são a principal causa de mortes no Brasil e no mundo.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores usaram informações do Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social, além de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes os anos de 2005 a 2017. Os números foram confrontados com bancos de dados americanos.
Usando modelos estatísticos, Gaspar conseguiu determinar o número de mortes atribuídos a cada fator de risco – foram feitos ajustes para renda, desigualdade, pobreza e acesso à saúde. Os resultados mostraram uma redução significativa da mortalidade (- 21%) e da incidência (- 8%) das doenças cardiovasculares no período e isso foi atribuído à redução do tabagismo (queda de 33%).
Por outro lado, Gaspar observou aumento da hiperglicemia (+ 9,5%), da obesidade (+ 31%) e de dislipidemias — nível elevado de lipídios, ou seja, gordura no sangue — (+ 5,2%). Apenas a hipertensão se manteve estável (uma das hipóteses é que as pessoas tiveram mais acesso à atenção primária e ao tratamento, o que permitiu maior controle).
Ainda segundo a pesquisa, a redução no número de fumantes preveniu ou adiou quase 20 mil mortes por doenças cardiovasculares, enquanto o aumento da hiperglicemia resultou em quase 6.000 mortes a mais nesses 12 anos estudados.
Risco aumentado
Segundo a pesquisa, a associação da hiperglicemia com a mortalidade por doenças cardiovasculares foi de 5 a 10 vezes maior do que os outros fatores de risco (e essa associação aconteceu independente do nível socioeconômico e do acesso à saúde).
O segundo fator de risco mais influente na mortalidade foi a obesidade. As diferenças de gênero também chamaram a atenção dos autores, já que a hiperglicemia se apontou como fator de risco mais intenso para as mulheres.
“O resultado me surpreendeu porque no início do estudo eu imaginava que o principal fator de risco associado à mortalidade por doenças cardiovasculares seria a hipertensão, mas acabamos descobrindo que é o diabetes não controlado. Eu costumo dizer que a ciência é o encontro diário com o desconhecido”, disse o pesquisador.
Segundo Gaspar, três hipóteses poderiam explicar os resultados: a falta do acesso a uma classe de medicamentos mais modernos para o controle do diabetes na rede pública (esses remédios são mais caros e ainda não estão disponíveis no SUS); questões fisiopatológicas da doença (fatores ainda desconhecidos pela ciência que poderiam influenciar na mortalidade); a falta de conscientização sobre os impactos da doença na saúde.
Atenção ao consumo de açúcar
Para a endocrinologista Adriana Martins Fernandes, do Programa de Diabetes do Hospital Israelita Albert Einstein, os resultados desse estudo são muito importantes porque retratam a realidade brasileira e podem servir de base para a elaboração de políticas de saúde pública.
“Nós já conhecemos os fatores de risco modificáveis para doença cardiovascular. Mas o interessante desse trabalho foi que ele individualizou a colaboração de cada fator de risco para o acontecimento desses eventos. Observamos uma redução da mortalidade por doença cardiovascular associada à uma redução importante do tabagismo, observamos que parece estar havendo um controle melhor da hipertensão, mas isso não ocorreu com o diabetes. As pessoas não estão cuidando da hiperglicemia”, diz.
Na avaliação de Adriana, ainda faltam políticas de conscientização da população sobre os riscos da hiperglicemia, especialmente porque o diabetes é uma doença crônica e silenciosa, que pode passar anos sem dar sintomas.
“As pessoas não têm medo do açúcar como têm medo do cigarro. As campanhas sobre os malefícios do tabagismo foram intensas, por isso vemos redução no número de fumantes. Mas faltam campanhas sobre os riscos do excesso de açúcar, falta uma melhor regulamentação da composição dos alimentos industrializados e uma conscientização maior sobre a importância de uma alimentação mais saudável, com menos ultraprocessados”, alerta a endocrinologista.
Segundo Gaspar, os próximos passos do estudo serão avaliar o impacto econômico da inserção desses medicamentos mais modernos no SUS para saber se vale a pena incluir essas medicações na rede pública e se elas mudariam o desfecho reduzindo a mortalidade por doenças cardiovasculares. Outra frente será estudar os casos de diabetes com foco na raça da pessoa.
Fonte: Agência Einstein
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