O tempo que os pais passam com os filhos é importante pois permite mais interação, além de auxiliar no desenvolvimento infantil e na relação da criança com o mundo. Por outro lado, não basta só estar por perto, mas também ter um período de qualidade. Organizar o tempo individual e familiar, principalmente para as mães, pode ser uma dificuldade em meio a tantas demandas, segundo um artigo publicado por pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP).
As autoras Ana Laura Godinho Lima, professora da Faculdade de Educação da USP, e Júlia Catani, psicóloga e psicanalista da USP, destacam que o tempo de qualidade não pode ser mensurado no relógio, e sim pelas atividades que estão sendo feitas e o quão proveitosas estão sendo para ambos, pais e filhos.
O artigo, publicado na revista Estilos da Clínica – Revista sobre a infância com problemas da USP, analisou os discursos de pediatras, de manuais de puericultura e de reportagens da revista Pais & Filhos nos últimos cinco anos, com destaque para o contexto da pandemia da Covid-19.
Conciliar o trabalho, as atividades do dia a dia e ainda assim manter um bom contato afetivo com os filhos foram assuntos recorrentes durante a pandemia, momento em que os pais tiveram que se adaptar ao home-office e homeschooling, além de organizar o tempo e a atenção aos filhos a todo momento dentro de casa e sem rede de apoio.
“Tem mais relação com ‘o que se faz’ enquanto está junto, do que com a quantidade de tempo. Podemos passar um tempo muito grande com uma pessoa, mas envolvidos em outras atividades, ou distraídos com o celular e outras coisas, não dando a atenção devida para a pessoa que está com você. Apenas ‘estar perto do outro’ não significa ‘interagir COM o outro’, diz a psicóloga da pediatria do Hospital Israelita Albert Einstein, Caroline Nóbrega.
Ela ressalta que é importante refletir como é o formato de participação, considerando a interação e a troca. “Quando você propõe ter um tempo de qualidade com seu filho, é importante estar focado nele e no momento presente, deixando de lado outras distrações para estar ali com a criança”, explica a especialista.
Sobrecarga materna
As autoras do estudo da USP Julia Catani e Ana Laura Lima também abordaram as dificuldades das mães para aproveitar o tempo com os filhos, enquanto precisam se preocupar com outras responsabilidades como o relacionamento amoroso, as atividades do trabalho, os cuidados da casa, o autocuidado. Elas explicam que isso pode gerar frustração, além de uma preocupação excessiva dos pais com a criança.
Na visão de Lima, uma forma de evitar esse desapontamento na família é que os conteúdos especializados sobre o desenvolvimento infantil sejam menos prescritivos e mais divulgados ao lado da experiência pessoal dos pais com o bebê, mostrando vários modos possíveis de estabelecer uma boa convivência com os filhos.
“O que falta muitas vezes no especialista é a confiança na mãe e no modo que ela cuida da criança. Se durante o dia a dia a criança recebeu afeto, se ela foi atendida em suas necessidades e teve a oportunidade de gastar energia, e se isso já pode ser suficiente para garantir que ela se sinta satisfeita e durma bem”, diz Julia Catani, psicóloga, psicanalista e pós-doutora pela Faculdade de Educação da USP.
Já em relação às outras responsabilidades das mães, a professora Ana Laura Lima comenta “que a conta não fecha” ao serem dadas tantas demandas para as mulheres, incluindo a criação dos filhos. “Trabalho, lazer, exercício físico, meditação. Todas essas e outras atividades esperadas das mulheres junto da maternidade se tornam impossíveis de conciliar em um curto período de tempo”.
Já Catani observa que, com a chegada de um bebê, a mãe não consegue fazer os mesmos exercícios e ter o mesmo tempo de sono de antes da gravidez: “A vida agora é outra. E é importante que os conteúdos especializados alertem os pais sobre essa grande mudança após o nascimento da criança”.
Como aproveitar o tempo juntos?
Segundo as autoras do estudo da USP, o tempo de qualidade acontece com naturalidade e não se deve buscar a perfeição na criação e na relação com o filho. Elas defendem momentos simples: uma conversa no caminho para escola e trabalho ou mesmo as refeições em família. Catani ressalta que as memórias afetivas acontecem nos lugares menos óbvios e no cuidar do dia a dia.
Para que os momentos com os filhos possam ser bem aproveitados, a psicopedagoga Laura Delciello, que atua na oncologia pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein, recomenda o diálogo com as crianças para ouvir sugestões de atividades: “É importante criar relações de confiança e dar espaço para que essas crianças e jovens possam se expressar, manifestar seus gostos e preferências. Pode ser interessante que as propostas venham dos pais, mas elas também podem vir dos filhos. É válido buscar interesses em comum e equilibrar as atividades para que todos sejam beneficiados e sintam prazer em partilhar tais momentos”.
A interação e a presença dos pais nas atividades e brincadeiras das crianças é muito importante pois, segundo a psicopedagoga, assim há uma relação de troca e uma demonstração de interesse pelo que o filho tem a dizer ou fazer.
Benefícios do tempo de qualidade
“Durante toda a infância, a criança passa por uma construção de estrutura mental. Essa parte da vida reflete o adulto que ela será futuramente, e a presença dos pais é fundamental”, explica Denise de Sousa Feliciano, psicanalista e presidente do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo. Ela diz que trocas prazerosas entre os familiares são como tijolos da estrutura mental que proporcionam uma infância feliz e transformam a pessoa em um adulto mais seguro.
Para a criança, o brincar envolve o lúdico, mas muitas vezes isso causa o afastamento dos adultos. O pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott, que em sua carreira se aprofundou no desenvolvimento psicológico no ambiente familiar, defende os benefícios das brincadeiras e das interações com o imaginativo da criança: “é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação”, explica em seu livro O brincar e a realidade.
Feliciano afirma que, no caso dos pais, essa troca pode ser uma forma de conhecer melhor os gostos, a personalidade e o ritmo de cada filho: “É uma possibilidade também de ‘abandonar o lugar de adulto’ e mergulhar no universo lúdico e fantasioso da criança, se conectando melhor com ela”.
Fonte: Agência Einstein
*sob supervisão de Carolina Dantas
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