Entre as justificativas, a melhora da função visual aumenta a interação social e permite uma vida mais ativa, o que pode ser visto como fator de proteção contra o declínio cognitivo
Por Carolina Kirchner Furquim, da Agência Einstein
A cirurgia de catarata foi associada a um risco quase 30% menor de demência em adultos mais velhos, mostrou um estudo conduzido pelo departamento de oftalmologia da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos. Publicado em dezembro na revista científica JAMA Internal Medicine, o estudo, feito com mais de 3.000 pacientes demonstrou que a extração da catarata (caracterizada pela opacificação do cristalino, a lente natural do olho, levando à visão embaçada) foi associada a um risco significativamente reduzido de demência em comparação com pessoas que não fizeram cirurgia.
Segundo os pesquisadores, a diminuição do risco persistiu por, pelo menos, uma década após a intervenção cirúrgica. A conclusão foi que a perda sensorial não tratada (neste caso, um comprometimento da visão) é fator de risco para demência, mas que pode ser modificado, dada a ampla disponibilidade da cirurgia nos centros de saúde pelo mundo. A demência é uma condição com poucas medidas preventivas, mas que sabidamente se beneficia de condutas relativas ao estilo de vida do paciente, como alimentação e exercícios físicos.
Ao todo, os pesquisadores acompanharam 3.038 pessoas diagnosticadas com catarata ou glaucoma, que estavam livres de demência (Doença de Alzheimer e outros tipos) e não fizeram cirurgia de catarata antes de se inscreverem no estudo. A média de idade do grupo foi de 74,4 anos, sendo 59% dos participantes do sexo feminino. Os dados foram coletados de 1994 a setembro de 2018.
Os pacientes foram avaliados a cada dois anos através de um teste chamado Cognitive Abilities Screening Instrument (CASI), com pontuações que variavam de 0 a 100. Dos participantes, 1.382 (45%) foram submetidos à cirurgia de catarata durante o estudo. O seguimento médio foi de 7,8 anos. Do total de pesquisados, 853 pessoas desenvolveram demência, principalmente a Doença de Alzheimer, com 709 casos reportados. Em contraste com a cirurgia de catarata, os pesquisadores relataram não ter encontrado menor risco de demência entre aqueles que fizeram cirurgia de glaucoma.
A intervenção da catarata foi mais fortemente ligada à redução do risco de demência durante os primeiros cinco anos após a cirurgia em comparação com anos posteriores. Para se ter uma ideia da relevância da descoberta, entre várias variáveis pesquisadas, incluindo nível de instrução, raça, histórico de tabagismo e sexo, a única covariável mais protetora para demência do que a cirurgia de catarata foi a inexistência, no código genético do paciente, do alelo APOE4 – o fator de risco genético mais estudado para a Doença de Alzheimer.
Possíveis justificativas
“Um possível mecanismo pelo qual a cirurgia de catarata pode diminuir o risco de demência ou doença de Alzheimer, segundo os pesquisadores, está relacionado a uma entrada de maior quantidade e qualidade de luz na retina após a remoção da catarata, melhorando a função visual. As células ganglionares da retina (ipRGCs), extremamente sensíveis à luz azul, foram associadas com a função cognitiva e o ritmo circadiano, que é responsável pelo sono.
“A conexão entre as células ganglionares, o nervo óptico e a sua projeção em múltiplas áreas do cérebro pode ser estimulada com a melhora da qualidade do estímulo luminoso que chega à retina após a cirurgia de catarata”, comenta o médico oftalmologista Osny Sedano, do Hospital de Olhos do Paraná e cuja área de atuação abrange cirurgias refrativas e cirurgias de catarata.
De acordo com o texto do estudo, realmente a catarata faz com que a lente do olho acometido desenvolva uma tonalidade amarelada que bloqueia a luz azul. E algumas células presentes na retina são altamente sensíveis aos estímulos da luz azul e conhecidas por regular os ciclos circadianos. Com o bloqueio secundário à catarata e a consequente perda da sensibilidade ao estímulo da luz, o ciclo circadiano fica comprometido, aumentando substancialmente o risco do desenvolvimento de demência. A cirurgia de catarata poderia permitir, então, a reativação dessas células, devolvendo um fator de proteção a mais contra o declínio cognitivo.
Fator social também é considerado
No estudo foi demonstrado estatisticamente um risco menor de desenvolvimento da demência no grupo de idosos (65 anos ou mais) que foram submetidos à cirurgia de catarata em relação ao grupo que não foi submetido à extração da catarata (comparando-se o tempo de estudo, raça, tabagismo, sexo, idade e genotipo E da Apolipoproteína – importante fator no desenvolvimento da Doença de Alzheimer).
“Talvez esse achado esteja relacionado ao aumento do risco de demência vinculado ao isolamento social e à redução do estímulo cognitivo causados pela falta da acuidade visual secundária à catarata. A dificuldade visual poderia levar a dificuldades psicossociais, exclusão das interações sociais e redução de atividades esportivas. Assim, poderia estar associada, também, ao declínio cognitivo”, continua Sedano. E é sabido que pessoas com visão melhorada se envolvem mais plenamente com o mundo, sendo também conhecido o efeito protetor de uma vida mais ativa contra o desenvolvimento de demência.
Segundo o especialista, há outros estudos que demonstram alterações estruturais do córtex visual em pacientes com perda visual. “Em pacientes com degeneração macular relacionada à idade, a baixa visão foi associada a uma atrofia do córtex visual em um acompanhamento de cinco anos. Em contrapartida, um aumento da substância cinzenta encefálica foi detectado após a cirurgia de catarata”, finaliza.
Fonte: Agência Einstein
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