Muitas vezes elencados como facilitadores do processo de emagrecimento, os remédios para diabetes são frequentemente utilizados de forma off label (sem indicação em bula). Mas será que essa prática é segura?
A jornada em busca da perda de peso pode ser difícil para muitos. Se esse é o seu caso, talvez já tenha procurado alternativas que possam acelerar o processo e se deparado com medicamentos como liraglutida, semaglutida e dulaglutida, todos usados no tratamento de diabetes.
Apesar de ser uma prática endossada por muitos especialistas da área, o uso de tais medicamentos como auxílio no emagrecimento deve ser feito com atenção e exclusivamente sob acompanhamento médico. Essa é a única forma de evitar efeitos prejudiciais à saúde e o famoso efeito rebote. Entenda como eles funcionam e quais são os riscos a seguir.
Como os remédios para diabetes atuam
Em pacientes com diabetes tipo 2, medicamentos como liraglutida, semaglutida e dulaglutida são utilizados para reduzir a glicose (açúcar no sangue). Isso acontece por meio de um mecanismo que “estimula a secreção de insulina (hormônio que transforma a glicose em energia) e diminui a secreção de glucagon (hormônio cujo efeito é oposto ao da insulina)”, como explica o endocrinologista e professor na Universidade de Franca (UNIFRAN), Wilson Cunha Júnior.
Em pacientes sem diabetes, o especialista relata que os medicamentos “imitam” a ação do GLP-1, substância produzida pelo corpo que retarda o esvaziamento gástrico e reduz o apetite.
À IstoÉ, Filippo Pedrinola, doutor em endocrinologia pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Associação Brasileira de Estudos sobre Obesidade (ABESO), detalha a ação da substância: “É uma molécula que ‘avisa’ [o cérebro] que você já comeu, ajuda a melhorar de forma geral o controle metabólico, a ação da insulina e da glicose e tem também uma ação no sistema nervoso central.” De acordo com ele, medicamentos análogos do GLP-1 atuam no hipotálamo, região do cérebro responsável pela fome e saciedade.
De acordo com um estudo publicado pelo “The New England Journal of Medicine”, a semaglutida já conseguiu reduzir em 15% o peso de pessoas com obesidade. No entanto, a Novo Nordisk, indústria farmacêutica comercializadora da substância no Brasil, ressaltou em posicionamento à imprensa que “não endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off label, ou seja, em desacordo com a bula de seus produtos”. Das três substâncias citadas anteriormente, apenas a liraglutida é comercializada em bula como um medicamento para emagrecer.
O uso de remédios para diabetes no emagrecimento
Filippo explica que a indicação médica das drogas ocorre com base no cálculo, em consultório, do índice de massa corporal (IMC) do paciente. Se o resultado apontar sobrepeso ou obesidade e o paciente já tiver tentado emagrecer previamente por meio de dieta e/ou exercícios físicos, sem êxito, lança-se mão da medicação. “Primeiro temos que ter uma modificação de estilo de vida para analisar se [o paciente] consegue resultados”, aponta o especialista.
Ele destaca que os medicamentos podem ser especialmente benéficos para pessoas com comportamento hiperfágico (que comem exageradamente), pois causam a sensação de saciedade no estômago, evitando que se coma mais do que o necessário.
No entanto, quem sofre com a chamada fome emocional — petisca frequentemente, principalmente alimentos pouco saudáveis, mesmo sem fome — pode não ter o efeito esperado ao utilizar os remédios.
“[Nesses pacientes] O problema não é a fome física, é uma fome emocional com gatilhos de ansiedade ou depressão. É uma coisa muito mais comportamental”, explica Filippo, ressaltando, nesses casos, a importância do tratamento de sintomas adversos de saúde mental e da associação medicamentosa.
Como os medicamentos para diabetes são desenvolvidos para uso crônico, não há prazo de uso. Cabe aos médicos, portanto, definir uma meta para desmame. “Geralmente, instruímos [os pacientes] a usar a medicação até chegar no objetivo, e depois vamos retirando aos poucos, gradualmente. Caso contrário, o risco de um rebote é muito grande”, explica o profissional.
Efeitos colaterais dos remédios para diabetes
Como efeitos colaterais muito comuns dos remédios para diabetes, Wilson destaca diarreia e náuseas. Isso porque a ação dos medicamentos retarda a velocidade do esvaziamento gástrico, causando a sensação de “comida parada no estômago”.
Além disso, Wilson elenca, como comuns, os seguintes efeitos:
- Hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue);
- Anorexia;
- Redução do apetite;
- Dor de cabeça;
- Vômito;
- Gastrite;
- Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE);
- Distensão abdominal;
- Dor na parte superior do abdômen;
- Intestino preso;
- Flatulência e eructação (gases e arrotos);
- Infecção das vias aéreas superiores;
- Reações no local da injeção (tais como hematoma, dor, irritação, coceira e erupção);
- Reações alérgicas como erupção cutânea;
- Frequência cardíaca aumentada;
- Sensação de cansaço;
- Aumento das enzimas pancreáticas.
Riscos e contraindicações
Devido aos possíveis efeitos colaterais, os especialistas reiteram a importância do acompanhamento médico em tratamentos de perda de peso com remédios para diabetes.
Wilson destaca que, com exceção das pessoas alérgicas aos medicamentos, não há um perfil de pacientes com contraindicação clara. No entanto, de acordo com Filippo, a atenção deve ser redobrada com pessoas que sofrem com problemas como refluxo, gastrite e obstipação intestinal.
Ademais, uma avaliação dos hábitos alimentares de cada paciente e o acompanhamento com nutricionista são de suma importância. Apesar de os remédios ocasionarem falta de apetite, uma alimentação balanceada deve ser mantida.
“Não adianta ficar sem comer o dia inteiro. Isso pode levar à fraqueza, falta de energia, desmaios, mal estar por deficiência nutricional. Não é porque você vai estar sem fome que vai comer tudo errado, até porque um grande desafio não é só emagrecer, mas manter o peso depois”, declara Felippo, destacando que a relação do paciente com a alimentação deve melhorar, e não ser extinta.
“É muito alta a frequência de pessoas que emagrecem e voltam a engordar depois, porque basicamente não mudaram o mindset, não mudaram os hábitos alimentares”, continua o especialista. Portanto, manter os hábitos saudáveis e uma alimentação que supra suas necessidades nutricionais é imprescindível para garantir que os resultados atingidos com medicamentos perdurem após o desmame.
Os perigos da automedicação
Atualmente, os medicamentos para diabetes são vendidos sem prescrição médica no Brasil. No entanto, a automedicação não é recomendada pelos especialistas, pois doses incorretas podem ocasionar uma exacerbação dos efeitos colaterais já citados.
Medicando-se sozinho, o paciente sofre, ainda, maior risco de efeito rebote e pode até mesmo desperdiçar os medicamentos: frustrado frente a efeitos como náuseas, vômitos e intestino preso, suspende o uso antes de alcançar os resultados desejados. Dessa forma, para evitar efeitos prejudiciais à saúde, o acompanhamento médico e nutricional não deve ser negligenciado.